Vamos começar com o óbvio. O Brasil é o principal produtor de café Arábica. Sua maior produção concentra-se em cafés naturais secos em terreiros ou secadores mecânicos. Em termos gerais, é assim que as coisas funcionam. Os produtores entregam as suas colheitas às cooperativas ou aos exportadores como café “descascado”, ou seja, debulham as cerejas secas nos seus moinhos secos e entregam o café verde não classificado. Depois, é o exportador quem classifica o café para exportação ou consumo interno. Principalmente, esse café é utilizado para blends, onde desempenha um papel fundamental: confere corpo, doçura e baixa acidez aos cafés comerciais em todo o mundo.

Nosso objetivo com o café brasileiro
Tradicionalmente, o café brasileiro não tem tido um grande peso nos cafés especiais, embora isso mude ano a ano. Nas nossas primeiras ações de contacto direto, tivemos muitas dificuldades em encontrar o nosso lugar neste país, quebrar este estereótipo e encontrar os antípodas dentro da fronteira.
Nosso foco em 2018 teve uma série de requisitos definidos. Procurávamos localizar uma região onde o café fosse colhido manualmente, produtores que controlassem todo o processo, com tradição familiar e onde as 'fazendas' fossem 'suas casas'. Tudo isso foi realizado em um lugar muito especial do Brasil: o Espírito Santo. Aqui a orografia afastou-se das grandes superfícies planas que permitem a colheita por maquinaria. E os produtores têm visão e forma de trabalhar semelhantes à Colômbia ou à América Central. Os cafés de alta qualidade da região desenvolvem um perfil muito particular. Aqui encontramos um pequeno Quénia para cafés naturais lavados ou despolpados, com uma acidez muito complexa, uma suculência e presença de fruta invulgar nesta origem.

Desafios e oportunidades
Este ano nos encontramos em uma situação de mercado complicada devido a um grande coquetel de circunstâncias: baixa colheita, perda de safra no Brasil e especulação, entre outros. Isto causou um aumento excepcional nos preços no mercado de ações de Nova Iorque (233% especificamente). Tudo isto fez com que fosse um ano cheio de desafios para manter as relações estabelecidas e ir mais longe.
O outro lado da moeda nos proporcionou um mundo de oportunidades que nos levou a sair da zona de conforto do Espírito Santo e partimos em busca de novos perfis. Queríamos cafés naturais elegantes e limpos. Clássicos naturais e ‘funkies’ (extravagantes e despreocupados), que gostamos sempre de partilhar. Intenso sem deixar de ser delicado. Adequado para filtro e café expresso.
Nesta aventura contamos com nosso parceiro no Brasil, Rafael Marques e sua equipe , para detectar áreas potenciais. Procurávamos uma boa base de variedades adaptadas à região como Catuaí, Caturra ou Catucaí. E, se possível, fábricas com mais de 10 anos, uma limitação à produção mas uma aposta segura na produção de cafés especiais de qualidade.
Um laboratório móvel totalmente equipado em uma van nos acompanhou em nossa viagem. Assim conseguimos coletar amostras, selecionar, torrar e degustar junto aos produtores, abrindo a negociação no mesmo local e horário. Isso nos tornou supereficientes nas buscas, concentrando nosso fogo na região do Caparaó e Córrego do Sossego, no sudeste de Minas Gerais. Aqui, o grande volume de cafés produzidos é comercializado como café de rio ou fenólico. Seu principal destino são os países árabes onde esse perfil é muito apreciado ou a produção de café solúvel ou liofilizado. Tínhamos muitas dúvidas na hora de atingir nosso objetivo.

Conclusão?
Degustamos um total de 75 amostras de diferentes produtores entre cafés do Espírito Santo e de Minas Gerais. Os cafés lavados mantiveram-se limpos e com uma acidez capixaba complexa. E com Theodoro Stein trabalhamos uma fornada de café mel com uma doçura inusitada, como se fosse uma barra de chocolate Twix. Esta é a nossa primeira aposta no expresso da temporada.
Acontece que uma pequena Etiópia apareceu no Caparaó e arredores, encontrando a agulha no palheiro. Naturais extremamente limpos como Creonisio Correa com notas de morango bem maduro e doce, acompanhadas de mel de altíssima definição. Resumindo, delicadeza em uma xícara. Cafés delicados e interessantes cujos produtores não tinham relação com cafés especiais. Por isso é a nossa primeira aposta no café de filtro para abrir a temporada.
Nos próximos meses, e conforme as novas safras chegarem à torrefadora, deixaremos em nosso cardápio mais lotes de outros pequenos produtores que, como Theodoro e Creonisio, vão mudar o seu conceito dos cafés brasileiros.